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Violência doméstica durante a pandemia: dados e formas de prevenção e atuação

Published 08/27/2020 by Daiane Yara Martins

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​A pandemia causada pelo novo coronavírus e a necessidade do isolamento social potencializaram diversos problemas que as comunidades já enfrentavam, um deles é a violência doméstica.
 
Para debater e esclarecer sobre este tema o “Ciclo de Conversas” convidou os advogados Ariadne Carine de Souza e Vinícius da Silveira para participarem do quarto encontro que aconteceu no dia 27 de agosto. O tema foi a “violência doméstica durante a pandemia: dados e formas de prevenção e atuação”.
 
O evento foi realizado de forma 100% online e reuniu também outros líderes e voluntários que atuam no programa Semeando o Futuro.
 
Apoiado pela Global Communities, o objetivo do “Ciclo de Conversas” é discutir temas sobre os mais diferentes aspectos dos tempos de crise.
 
Para começar essa conversa, vamos saber mais sobre o que é violência doméstica. 

​O que é a Lei Maria da Penha?

Em 2020, a Lei Maria da Penha completou, no dia 7 de agosto, 14 anos de publicação. De acordo com a Dra. Ariadne, essa foi uma norma criada com muita luta, sendo encabeçada pela própria Maria da Penha, pessoa que deu nome à Lei. “A Maria da Penha esteve em um casamento que durou 23 anos. Por nove deles, sofreu violência doméstica, incluindo duas tentativas de assassinato”, comenta.

“Cansada de denunciar, sem efeito, os abusos às autoridades brasileiras, Maria da Penha decidiu recorrer ao Comitê Latino de Defesa e Direitos da Mulher, na ONU (Organização das Nações Unidas). Este, por sua vez, obrigou o Brasil a criar uma norma para coibir a violência que ocorre no âmbito doméstico e familiar. Foi assim que a Lei surgiu”, explica a advogada.

Segundo Dra. Ariadne, a Lei Maria da Penha, essencialmente, auxilia a mulher que sofre uma violência. “Existe portanto uma diferenciação de gênero que privilegia o sexo feminino. Contudo, isso tem mudado. A jurisprudência atual já tem reconhecido também as mulheres como sendo agressoras, quando comprovada a vulnerabilidade da vítima”, esclarece.

Quais são os tipos de violência enquadrados na Lei?

A advogada explica que são cinco tipos de violência doméstica: a patrimonial, a sexual, a física, a moral e a psicológica:

●Patrimonial: é caracterizada quando alguém obriga a subtração de algum bem;
●Sexual: é aquela em que se obriga alguém a assistir ou a cometer atos sexuais;
●Física: ocorre quando há uma violência corporal;
●Moral: o agressor se utiliza da calúnia (ato de imputar um falso crime a alguém) ou da injúria (ato de desonra da imagem de alguém);
●Psicológica: que ocorre quando um ex-companheiro publica imagens ou conversas constrangedoras, por exemplo.

O que já foi conquistado até aqui?

Segundo a advogada, desde a promulgação da norma, foram constatados avanços importantes, mas que ainda estão muito longe de serem considerados ideais. “Houve uma baixa no índice de homicídios em torno de 10%, segundo uma pesquisa feita em 2015 pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Mas, infelizmente, a busca feminina pelos seus próprios direitos ainda é pequena”, lamenta.

Para ela, para que mais casos sejam evitados, é preciso que cheguem ao conhecimento das autoridades. “Hoje já mudamos aquele velho ditado que dizia ‘em briga de marido e mulher, deve-se sim meter a colher’. Para isso, é preciso que vizinhos e familiares denunciem sempre”.

Para o advogado Dr. Vinícius da Silveira, o tema merece ser debatido, pois é algo gravíssimo e ainda muito presente na sociedade. “Não podemos mais admitir que seja algo normal. É preciso denunciar. Essa é a única forma de impedir que esses casos se perpetuem”.

Ambos reforçam a importância de oferecer a denúncia aos órgãos competentes. “Somos todos responsáveis, quem não denuncia, se torna conivente”.

Como denunciar um caso de violência doméstica?

O advogado comenta que os principais meios disponíveis são:

● 190: número de telefone da Brigada Militar;
● Delegacias Civis: quando uma violência já tiver acontecido;
● Delegacia da Mulher: nas cidades que tiverem esse atendimento;
● 180: número usado também para outros tipos de denúncias;
● Defensorias Públicas do estados: que oferecem o apoio jurídico às vítimas;
Centros de Referência de Atendimento à Mulher: atendem psicologicamente as mulheres nessas condições, além de oferecer estrutura necessária para acolhê-las;
● Casas de Abrigo: são locais que oferecem estrutura para as mulheres que precisam ou querem sair do lar no qual sofreram a agressão. Essa é uma ação é importante para dar independência àquelas que estão em situação de vulnerabilidade financeira.

 “Assim que uma denúncia é feita, o próprio delegado orienta a vítima sobre como ela pode obter apoio”, informa Dra. Ariadne.

Contudo, ela alerta que nem todos os municípios têm estrutura para assegurar o afastamento dessas mulheres do lar, mesmo sabendo que a violência doméstica afeta também os filhos.

“Em Santa Catarina, por exemplo, temos o ‘OAB por Elas’, um grupo da Ordem dos Advogados que trabalha em prol dessas mulheres. Prestamos atendimento junto à Delegacia da Mulher e oferecemos o primeiro aparato com auxílio jurídico”, conta.

Medidas protetivas de urgência: o que são?

Dr. Vinícius esclarece também que existem formas de proteger as mulheres que já sofreram algum dos tipos de violência enquadrados pela Lei. “São medidas que impedem o agressor de continuar agindo”, entre as quais ele cita:

● Suspensão do porte de armas do agressor (quando é o caso);
● Afastamento do agressor do domicílio de convivência;
● Proibir que o agressor se aproxime da vítima, família ou de testemunhas;
● Proibir que o agressor contate a vítima via redes sociais, por telefone e/ou meios de comunicação como WhatsApp;
● Proibir que o agressor frequente lugares específicos como o local de trabalho da vítima, escola dos filhos, entre outros;
● Restrição ou suspensão das visitas aos filhos menores de idade;
● Prestação provisória de alimentos: algo como uma pensão alimentícia, que ajuda no sustento da vítima.

“É importante lembrar que outras medidas também podem ser adotadas de acordo com a gravidade de cada caso”, comenta o advogado.

Dados de violência doméstica ainda são alarmantes

De acordo com Dr. Vinícius, um monitoramento da Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul, registrou do mês de janeiro ao dia 10 de agosto de 2020, os seguintes dados ocorridos naquele estado:

●Crimes de ameaça contra mulher: 19.200 ocorrências;
●Lesão corporal: 10.876 ocorrências;
●Estupros: 920 ocorrências;
●Feminicídio: 53 vítimas
●Feminicídio tentado: 188 casos

“São muitos casos, mas sabemos que ainda não são dados que demonstram toda a realidade. Isso porque, há muitas situações que não são denunciadas”, ele observa.

Quem tem menos acesso à informação e educação é mais vulnerável a violência doméstica?

“Infelizmente, sim. Essa é uma realidade não apenas para a violência doméstica. A falta de conhecimento é um agravante, somado ao medo”, diz a Dra. Ariadne.

“As pessoas precisam saber o que está disponível para protegê-las. Assim como os líderes das comunidades precisam ser as portas de entrada para esse conhecimento. Além disso, esses líderes podem ser a voz de mulheres nos casos que precisam ser denunciados”, recomenda Dr. Vinícius.

Como um líder comunitário pode ajudar?

O advogado ressalta algumas condutas que podem ser adotadas, mas observa que tudo deve ser feito com o devido cuidado. “As denúncias são anônimas em qualquer um dos canais, porque são protegidas pelo sigilo” ele explica.

“Os líderes devem denunciar. O Estado entra no âmbito do lar para regular o que deve ser ou não permitido. Mas, para que ele possa atuar, é preciso que a situação seja denunciada”, reforça a advogada.

A profissional ainda orienta uma outra atuação cabível aos líderes. “Eles também podem ajudar a mulher em seu empoderamento para que ela possa dar um basta em uma relação tóxica”, analisa.

Já para Dr. Vinícius, os líderes comunitários seriam importantes também para incentivar a criação de grupos de mulheres com o objetivo de debater e trocar experiências sobre a violência doméstica. “Vejo que eles poderiam facilitar a criação de cursos para que as mulheres que foram vítimas que elas possam trabalhar e desenvolver renda”, completa.

Para a coordenadora regional do Semeando o Futuro na cidade de Montenegro (RS), Naja Souza, o líder comunitário deve buscar informação para que possa oferecer a melhor orientação em cada caso. “Devemos nos perguntar o que estamos fazendo enquanto cidadãos para ajudar quem sofre a violência. Devemos perder o medo de tomar atitudes”, reforça.
 
Mas, acima de tudo, todos concordam que as denúncias devem ser feitas com segurança, envolvendo as autoridades competentes. “Uma pessoa leiga não deve chegar no local da agressão e colocar em risco sua própria segurança”, alerta Dr. Vinícius.
 
“A mulher é o sexo frágil. Mas, é preciso assegurar a vida de quem está sofrendo a violência com os devidos cuidados com os envolvidos no processo”, observa a Dra. Ariadne.
 
Por fim, Dr. Vinícius reforça os cuidados que se deve ter quando o lar da agressão contém um menor de idade. “Uma criança que se desenvolve em um lar onde acontece a violência doméstica, pode considerar aquele tipo de situação como normal. Ao chegar na idade adulta, pode perpetuar o comportamento. Essa é uma situação muito triste”, lamenta.
 
E para finalizar, uma última mensagem: “Infelizmente, ainda vivemos em uma sociedade machista onde não é incomum ouvir que a mulher foi estuprada ou apanhou, porque mereceu. Isso não é normal”, ressalta Dr. Vinícius.

Resumo: como fazer uma denúncia?
● Números de telefone que podem ser usados: 190 (Brigada Militar) e 180 (Disque denúncia);
● Delegacias Civis: devem ser procuradas quando uma violência já tiver acontecido;
● Delegacia da Mulher: devem ser procuradas nas cidades que tiverem esse atendimento;
● Defensorias Públicas do estados: para apoio jurídico às vítimas;
● Centros de Referência de Atendimento à Mulher e Casas de Abrigo: locais que oferecem estrutura e acolhimento para as mulheres;
● Cuidados ao fazer uma denúncia:
-As denúncias podem ser feitas com a garantia de preservação do anonimato;
-Sempre usar os canais disponíveis e acionar as autoridades competentes;
-Nunca ir ao local da agressão para não colocar em risco sua própria segurança. 

Quem quiser assistir na íntegra a conversa, pode acessar a página do Facebook da Global Communities Brasil ou acessar este link.

Comunidade em ação

​A Global Communities, através do Programa Semeando o Futuro, incentiva o desenvolvimento comunitário colaborando com a construção de capacidades nas comunidades locais para que elas busquem as melhorias para as suas necessidades prioritárias através de práticas democráticas tornando-se autodeterminadas e desenvolvam sua autossuficiência comunitária.

Esta abordagem é trabalhada com as comunidades em etapas e estas por sua vez constroem a sua capacidade para controlar os bens comunitários e mobilizar recursos para resolver um determinado problema, bem como fortalece a flexibilidade e a união social.