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Como um Plano de Desenvolvimento Comunitário pode mudar a vida das pessoas
Published 11/20/2020 by Daiane Yara Martins
Por trás de todo projeto que melhora a vida em uma comunidade, existe a total entrega de seus envolvidos.
Como base fundamental para seu sucesso, o trabalho voluntário envolve o desenvolvimento de habilidades e capacidades individuais e a extrema dedicação de um grupo de pessoas.
Todos esses requisitos, juntos, movem potencialidades e agregam forças que resultam em grandes realizações, com impactos no bem geral.
Existem inúmeros exemplos que mostram o poder de transformação do voluntariado. Entre eles estão os projetos desenvolvidos no bairro Paraíso, na cidade de Horizontina, no Rio Grande do Sul.
O município participou durante cinco anos do Programa de Desenvolvimento Comunitário, realizado em parceria com a Global Communities. Neste período, os moradores locais viram muitos de seus sonhos se transformarem em projetos realizados.
E quem conta algumas dessas histórias é uma de suas protagonistas: Noeli Jacinta Becker, moradora do bairro Paraíso, líder comunitária e secretária da associação dos moradores na gestão vigente.
Como participante ativa de todo o desenvolvimento do bairro, ela se orgulha de fazer parte de um processo que tem mudado a vida da coletividade em uma das regiões mais vulneráveis da cidade.
Noeli compartilhou alguns de seus aprendizados durante o ciclo de seminários realizado por estudantes da disciplina “Desenvolvimento Comunitário”, do curso de Gestão Pública da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
A oportunidade tratou sobre os aspectos que envolvem o Plano de Desenvolvimento Comunitário, suas etapas, conquistas e desafios.
Para explicar o contexto, participou também Roseli Bianchi, psicóloga e especialista em desenvolvimento social na Global Communities.
Ela começou abordando o funcionamento da metodologia de capacitação PACE – sigla em inglês que significa “Ação Participativa para a Melhoria Comunitária”.
Desenvolvendo um trabalho comunitário sustentável
Antes de falar sobre os resultados alcançados no bairro Paraíso, Roseli explicou aos estudantes como é o trabalho desenvolvido em parceria com a Global Communities.
“Nosso trabalho é participativo. O foco é atuar em estreita colaboração com comunidades em todo o mundo para trazer mudanças sustentáveis que melhorem a vida e os meios de subsistência dos mais vulneráveis”, explica.
A Global Communities é uma organização internacional, com 68 anos de história, com sede em Washington, nos EUA. Atuante, em mais de 30 países, está presente no Brasil desde 2014, desenvolvendo projetos em parceria com a empresa John Deere, nas cidades onde existem unidades da companhia.
Aqui na América Latina, a organização também atua em parceria com outras empresas e conduz projetos na Argentina.
“Acreditamos que o papel das organizações, empresas e seus voluntários são essenciais
para alcançar mudanças. Por isso, não desenvolvemos projetos ‘para as pessoas’, mas sim, ‘com as pessoas’”, comenta a psicóloga.
Para ela, os próprios moradores é que conhecem melhor que ninguém suas necessidades locais. Contudo, às vezes, eles não têm as ferramentas certas para seguir como agentes transformadores. Segundo ela, é nesse aspecto que a Global Communities trabalha.
“Atuamos junto às comunidades para engajar e empoderar. Fazemos isso por meio de parcerias público e privadas e desenvolvemos e fortalecemos as capacidades locais”, completa.
As fases de um Plano de Desenvolvimento Comunitário
Com base na metodologia de trabalho da Global Communities, Roseli conta como deve estar estruturado um Plano de Desenvolvimento Comunitário sustentável.
Ela esclarece que o programa é planejado para ser realizado em 3 anos no total, sendo dividido em três fases:
Fase 1: Implementando uma ação participativa na comunidade.
Envolver a comunidade ↔ desenvolver líderes comunitários ↔ mapear prioridades ↔
planejar ações comunitárias
Fase 2: Realizando a ação (primeiro ano)
Desenvolver projetos comunitários ↔ mobilizar recursos ↔ executar projetos comunitários ↔ supervisionar projetos ↔ informar as partes interessadas
Fase 3: Ciclo de sustentabilidade, no qual são repetidas as fases 1 e 2.
Dentro dessas fases, existem os princípios básicos da abordagem participativa, sendo eles:
- Participação;
- Apropriação;
- Transparência;
- Prestação de contas;
- Empoderamento.
Esses princípios pautam os 7 elementos para uma comunidade sustentável:
- Grupo participativo;
- Planejamento das ações;
- Projetos de impacto;
- Estratégias de comunicação;
- Reuniões comunitárias;
- Atividades sustentáveis;
- Mobilização de recursos.
Capacitação em Gestão Comunitária Participativa (PACE): protagonismo ativo no seu próprio desenvolvimento
A participação da comunidade é a base fundamental do PACE. “Depois que envolvemos as lideranças comunitárias, convidamos as pessoas para fazer parte da capacitação”, conta Roseli.
A capacitação possui 64 horas, divididas entre atividades teóricas e práticas, que acontecem no decorrer de quatro meses.
São, ao todo, seis módulos:
- Introdução à abordagem participativa – que explora o que é um trabalho comunitário, o papel das lideranças, os impedimentos para o envolvimento do trabalho, entre outros aspectos;
- Habilidades de facilitação – recursos voltados para desenvolver a capacidade de conduzir reuniões e assembleias, com implementação prática;
- Trabalho com as partes interessadas – identificação das pessoas que serão impactadas a partir dos projetos e a análise de suas respectivas influências;
- Plano de ação comunitária – escolha de uma prioridade que deve ser planejada e executada no período entre 30 a 40 dias;
- Plano de desenvolvimento comunitário – definição das prioridades x recursos e ativos para execução;
- Projetos comunitários – que prevê a elaboração de projetos para a captação de recursos.
Como foi o projeto de desenvolvimento do Bairro Paraíso, Horizontina (RS)
Horizontina é uma cidade do estado do Rio Grande do Sul, com cerca de 20 mil habitantes. No bairro Paraíso, localizado na periferia, residem 86 famílias. O local é considerado como um dos bairros mais vulneráveis do município.
Até o desenvolvimento do projeto, boa parte das residências não possuíam legalização junto ao poder público.
As atividades do Plano de Desenvolvimento Comunitário foram iniciadas em 2015.
O primeiro passo foi realizar uma pesquisa com todas as famílias para identificar:
- As necessidades primárias da comunidade;
- As pessoas que, reconhecidamente, já desempenhavam algum papel de liderança localmente.
Os resultados da pesquisa foram compartilhados em assembleias comunitárias. “Apresentamos essas informações dentro de um processo democrático, no qual convidamos os moradores a expressarem suas opiniões via votações”, explica Roseli.
As três principais prioridades de melhoria eleitas pela comunidade foram:
- Melhoria da praça;
- Espaço de lazer;
- Conquista das escritura dos terrenos.
O segundo passo foi iniciar o treinamento da metodologia PACE. “Por lá, excepcionalmente, o projeto de capacitação das lideranças ocorreu simultaneamente ao desenvolvimento do projeto de impacto rápido, que previa construir uma calçada em volta da praça da bairro”, conta.
Colocando Plano de Desenvolvimento Comunitário em ação
Para executar as ações de melhoria era preciso captar recursos. Para isso, o primeiro passo foi organizar eventos com esta finalidade.
Outros marcos na realização das prioridades locais foram:
- Em fevereiro de 2016 foi feito o primeiro evento para captar recursos: um jantar comunitário que reuniu mais de cem pessoas. Depois disso, outras atividades e eventos foram organizados. Tudo seguiu sendo feito pelos próprios moradores, em parceria com o poder público, e com o apoio técnico da Global Communities;
- Em 2018, em uma parceria com o poder público, foi instalada energia elétrica na praça;
- Entre setembro e outubro de 2019 foram feitas as últimas reformas no centro comunitário com o envolvimento de voluntários da comunidade e com a ajuda de recursos conseguidos em editais;
- Em novembro de 2019 foram entregues as escrituras das residências;
- Em dezembro de 2019 foi feita a reinauguração do centro comunitário.
Quais foram os desafios para executar as prioridades da comunidade?
Quem conta quais foram as etapas mais desafiadoras do Plano de Desenvolvimento Comunitário no bairro Paraíso é Noeli Jacinta Becker, moradora, líder comunitária e secretária da associação dos moradores.
“Precisávamos de voluntários para nos ajudar a terminar a reforma do centro comunitário, mas era difícil conseguir engajamento e comprometimento dos moradores. Tínhamos o prazo de 90 dias para concluir toda a reforma. A John Deere nos ajudou na mobilização desses voluntários” se recorda.
E ela continua: “Gostaria de agradecer à Global Communities, pois foi através da capacitação que recebemos que conseguimos elaborar o projeto para alavancar os valores que precisávamos. Conseguimos 10 mil reais da John Deere em material de construção para terminar a reforma do centro comunitário”.
Ela também destaca o alinhamento junto ao poder público conquistado a partir da capacitação. “Todo esse processo foi muito importante para nós. As escrituras das residência foram conseguidas depois de 20 anos de batalha”, destaca.
Houve momentos de divergência sobre o que era prioritário para a comunidade?
Sempre fizemos assembleias para que todos pudessem compartilhar suas opiniões. Cada um contribuiu conforme a sua visão, seu sonho. Mas, nunca imaginamos que o nosso espaço ficaria tão bonito. Sou moradora do bairro e tenho muito orgulho dele. Sei o quanto vale o nosso trabalho”, destaca Noeli.
Como é ser líder comunitária? O que lhe motiva?
“Sempre uso a frase ‘fazer o bem, sem olhar a quem’. Essa é uma missão que tenho. Tive uma série de percalços na minha vida pessoal. Tenho três filhos e sinto que o ser humano precisa se ajudar mutuamente.
Penso sempre que somos todos iguais, deixo que todos se sintam à vontade na hora de falar e participar, cada um precisa ter o seu espaço. E, assim, vamos aos poucos derrubando o comodismo e envolvendo todos em cada ação”, reforça.
Quais são as expectativas para o bairro Paraíso? A partir dessa experiência, quais os pontos positivos e negativos para os projetos realizados em outros bairros?
“A parceria com a Global Communities se encerrou em dezembro de 2019, ao final de um ciclo que durou cinco anos. Neste processo identificamos que houve uma grande evolução no desenvolvimento local, pois temos ferramentas que medem isso. E hoje, embora não estejamos mais atuando, o trabalho por parte da comunidade continua, pois foi capacitada para isso”, esclarece Roseli.
Contudo Roseli destaca que um grande desafio para as comunidades é iniciar um novo ciclo e, assim, repassar os conhecimentos para as novas lideranças. “Trabalhamos para estimular comportamentos sustentáveis, capazes de engajar novas pessoas no decorrer dos anos seguintes. Esperamos sempre ver a comunidade sendo auto sustentável nesse sentido”.
Já sobre projetos em outros bairros, Roseli aponta que cada comunidade tem um perfil diferente. “A metodologia da Global Communities é sempre a mesma, mas com as devidas adaptações à realidade local”, finaliza Roseli.