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Desafios e inquietações na quarentena: como manter a saúde emocional
Published 08/13/2020 by Daiane Yara Martins
Mudanças de hábito, quebra de rotina e perdas. Desde que a pandemia do novo coronavírus (Covid-19) começou, a sociedade tem passado por situações difíceis que geram implicações, principalmente, nos relacionamentos interpessoais.
Para esclarecer as dúvidas que surgem nesse momento, o segundo encontro do “Ciclo de Conversas” abordou os “Desafios e inquietações na quarentena: como manter a saúde emocional”.
O encontro aconteceu no dia 13 de agosto e convidou os psicólogos Andreia Reis e Luiz Mateus Pacheco para discutirem como a sociedade pode passar pelas adversidades trazidas pela pandemia. O evento aconteceu de forma 100% online e reuniu também líderes e voluntários que atuam no programa Semeando o Futuro.
Apoiado pela Global Communities, a iniciativa de promover “Ciclo de Conversas” é de discutir temas sobre os mais diferentes aspectos dos tempos de crise.
Abrindo o encontro, a psicóloga Andreia Reis aponta o quão difícil é o momento que estamos passando. “Nunca antes nos deparamos com uma situação como essa. Não há manual com instruções sobre como agir em uma pandemia”, diz.
E, como é possível nos sentirmos melhor com tudo isso? É o que os especialistas comentam a seguir:
O que é saúde mental?
Luiz Mateus explica que “saúde mental” não é apenas para quem tem algum diagnóstico dentro da psicologia, ela é válida para todos nós.
“A nossa principal forma de interagir com o mundo se dá por meio da nossa mente. Se estamos bem, a tendência é que a gente consiga se relacionar melhor, trabalhar melhor.
Mas se não estivermos bem, é possível demonstrarmos irritação e reações impulsivas nos relacionamentos. Se estivermos tristes, ansiosos e depressivos, não vamos conseguir aproveitar a vida em todos os aspectos”, esclarece o psicólogo.
Como a pandemia nos afeta emocionalmente?
O ineditismos da situação revelou um campo até então pouco explorado dentro da psicologia, como aponta Andreia Reis. “Dentro da psicologia ficamos, como se diz, ‘sem pai e mãe’, porque nós nunca tivemos estudos para embasar o entendimento das pessoas dentro de uma pandemia. Mesmo com tantos anos de atuação, eu mesma nunca havia estudado nada parecido”.
Segundo a psicóloga, a sociedade hoje está lidando coletivamente com uma espécie de “estresse pós-traumático”. “Todos nós adoecemos diante dessa pandemia. De uma forma ou de outra, todos nós fomos abalados. Todos tivemos que reaprender a conviver com as pessoas em nossas casas, por exemplo. Isso afeta muito nossa saúde emocional”.
Medo e raiva: por que estamos sentindo isso?
“As principais emoções que apareceram nesse período foram o medo e a raiva. O medo por conta de todo o risco da doença. Já a raiva, aparece quando nos sentimos impotentes. Ambos os sentimentos são muito fortes”, explica Andreia.
Mateus esclarece que o surgimento de emoções negativas é algo comum ao ser humano e que não se deve ignorá-las. “Biologicamente, somos programados primeiro para lidar com as emoções negativas e depois com as positivas. Essa era uma questão de sobrevivência para os nossos ancestrais. Por isso, ficamos mais focados nas questões negativas”, comenta Mateus.
O psicólogo alerta que, o fato da pandemia ter afetado praticamente o mundo como um todo, especialistas já chamam a atenção para uma possível explosão no aparecimento de quadros clínicos relacionados ao evento.
“Hoje já se fala em uma ‘segunda epidemia’, que está relacionada às questões emocionais como ansiedade, depressão e insônia. O futuro incerto produz insegurança e a impotência nos traz a raiva”, diz Mateus.
“A incerteza é um dos problemas mais graves diante da pandemia”, completa Andreia.
Viver o “aqui e agora”: como é possível?
“Para o ser humano viver sem a certeza sobre como será o futuro é muito angustiante. Nunca foi tão exigido nos fazer viver o aqui e agora, um dia de cada vez. Não sabemos o que será de nós no mês que vem”, analisa a psicóloga.
Então, como é possível viver em uma situação tão desfavorável para a psique humana? Andreia orienta que reações negativas como a reclamação devem ser evitadas. “Precisamos cuidar das nossas relações, fortalecer vínculos com as pessoas que estão próximas. A reclamação apenas nos adoece”, observa.
Vale a pena buscar ajuda de um profissional
Segundo Andreia, nesse momento, é possível encontrar diversos canais que reúnem profissionais da área da psicologia aptos a prestar serviços à sociedade. “É possível fazer o atendimento online e também fazer o ‘aconselhamento’ dentro da saúde mental, que funciona como um bate-papo com algum profissional”.
Para Mateus, a conversa com alguém que seja devidamente habilitado é diferente do ato de “desabafar” com alguém próximo a nós. “Busque alguém neutro para conversar, não necessariamente alguém da família. Encontrar um profissional para trocar algumas palavras é muito importante. Existe dentro da psicologia um conjunto de técnicas que são aplicadas em grandes desastres. É comprovado que as pessoas que buscam esse tipo de atendimento têm uma redução nas consequências negativas”, ele explica.
O psicólogo também chama a atenção para as cobranças que fazemos a nós mesmos. “Cuidado com os conselhos que estão por aí, cuidado com as receitas mágicas. Vamos nos tratar bem. Fazer o que é possível aos poucos”, recomenda.
E como iremos nos sentir quando a pandemia acabar?
Para a psicóloga, toda essa situação trará aprendizados a todos nós. “Durante esse período estamos tendo que usar recursos internos que nunca havíamos imaginado que seriam preciso. Por isso, vamos ter um desgaste emocional que sentiremos somente depois que a ‘poeira baixar”.
Para lidar com essas questões, o caminho, segundo Andreia é o autoconhecimento. “Se conseguirmos desenvolver um autoconhecimento nesse momento, será possível reconhecer no futuro o quanto adoecemos durante a pandemia. Quem diz que está lidando bem com toda essa situação, está mentindo. Não fomos criados para ficar isolados, fomos criados para a convivência e isso está sendo negado agora”.
Outra lição que a situação está apresentando é a questão da solidariedade. “Embora isolados, a pandemia também tem nos obrigado a pensar no próximo com relação à solidariedade e a empatia, como o uso da máscara que serve para proteger a si e ao outro”, resume.
Como viver nessa nova sociedade de pandemia?“Esse é um desafio que exige que a gente se reinvente. Estamos diante de dois extremos: com algumas pessoas, perdemos o contato físico. Mas com outras, esse contato pode ter sido intensificado, o que também gera atritos”, esclarece Mateus.
A melhor forma de manejar a relação com o outro, segundo os especialistas, é olhar para si. “É preciso perceber os estados emocionais que se apresentam e construir juntos algumas estratégias para melhorar a convivência. A comunicação é uma oportunidade para cultivar boas relações”.
Como é possível lidar com pessoas em casa que precisam de cuidados especiais?
“Na questão da educação dos filhos é importante que os pais exercitem o ‘auto-respeito’. Não é porque o filho está estudando em casa, que os pais devem virar professores”, recomenda Andreia.
Os profissionais também orientam que os adultos mantenham e estimulem uma comunicação constante. “A criança, por menor que seja, precisa ser ouvida. É preciso explicar o que está acontecendo.”
Mateus observa ainda que os pais não devem esconder como estão se sentindo. “Os pais devem comunicar para os filhos como estão se sentindo. Para a criança, isso é importante, para que ela possa entender toda a tensão social”.
A esperança nasce em momentos negativos
Mateus ressalta que as adversidades trazem consigo a oportunidade para que a esperança se fortaleça. “A esperança é a única emoção positiva do ser humano que, para florescer, precisa de um ambiente negativo ao contrário de todas as outras emoções que precisam de um ambiente positivo para isso”.
E o que a esperança pode fazer pela sociedade nesse momento? Segundo os especialistas, ela pode mudar o viés de uma situação. “Existe um legado positivo para a humanidade. Por que não olhar para isso quando for possível?”, observa Mateus.
“O mundo é feito de polaridades. As perdas que tivemos são inquestionáveis, mas é preciso pensar também no que isso tudo nos trouxe de positivo”, completa Andreia.
Esperança nas comunidades: como a dificuldade tem gerado oportunidades
A solidariedade está mais intensa nesse momento, segundo Andreia e Mateus, e essa atitude é ‘algo nato ao ser humano’, explicam.
Para Naja Souza, coordenadora regional do Semeando o Futuro na cidade de Montenegro (RS), a pandemia trouxe um reforço na esperança das comunidades para a concretização dos projetos no futuro.
“As ações nas comunidades foram adiadas neste período. Estávamos em um momento de construção e esse ciclo foi quebrado. A esperança é o que manterá todos engajados para realizar esses planos no futuro. Quando chegar o momento certo, vamos conseguir realizar esses projetos”, avalia a coordenadora.
A voluntária na cidade de Horizontina (RS) Fabiana Zape, acredita que a pandemia está sendo importante para gerar aprendizados em diversas áreas da sociedade. “Estamos diante da oportunidade de um grande aprendizado. Dando valor às coisas que são realmente importante”.
Fabiana destaca ainda que, mesmo diante da complexidade da situação, as lideranças comunitárias mostraram um poder de atuação determinante no auxílio das famílias locais.
“A participação dos líderes em Horizontina na distribuição de cestas básicas foi fundamental. Procuramos a assistência social da cidade, mas os dados estavam limitados. Muitos líderes tiveram que assumir. Foi um grande esforço de todos, mas que valeu a pena. Não deixem de lutar pelos seus bairros”, finaliza a voluntária.
A coordenadora Naja destaca também o importante papel desempenhado pelos líderes na cidade de Montenegro (RS). “Por mais que as ações planejadas na comunidade estejam pausadas durante a pandemia, os líderes se mantiveram ativos e foram casa por casa para fazer a entrega das cestas. Ninguém melhor que o líder para fazer isso, pois ele conhece muito bem o local. Isso vale mais que tudo”, observa.
Para Victor Oliveira, líder comunitário em Montenegro, a esperança é o que moverá a todos para construir uma realidade melhor. “Devemos resgatar os sonhos, tirar as pessoas do conforto, reanimar a todos para colocarmos em prática a construção de parques e praças. Esses locais serão importante para a convivência social pós-pandemia”, observa.
Adaptação e esperança: uma nova sociedade está a caminho
Para finalizar o encontro, os psicólogos analisam de forma positiva o futuro que irá se apresentar quando for possível superar todas as questões sociais trazidas pela Covid-19.
“Somos agentes da esperança. A sociedade se baseia no amor, na nossa capacidade de nos conectarmos uns aos outros. O ser humano é adaptável, mas isso não acontece de forma imediata. É preciso manter os planos, porque essa é uma forma transformadora de olhar para o futuro”, define Mateus.
“O futuro nos trará a possibilidade de desenvolvermos o amor”, finaliza Andreia.
Quem quiser assistir na íntegra a conversa, pode acessar a página do Facebook da Global Communities Brasil ou acessar este link.
Ciclo de Conversas – Gestão Comunitária em tempos de crise
Durante o período de isolamento social – recomendado pelas autoridades de diversas regiões do Brasil e do mundo como uma das formas de contenção ao novo coronavírus (Covid-19) – a atuação junto às comunidades se tornou ainda mais essencial. Mas, para se adaptar a essa nova realidade, passou a acontecer de um jeito diferente.
Quando o encontro presencial não é possível, a solução é usar a tecnologia para manter o contato com líderes comunitários e voluntários participantes do programa Semeando o Futuro. Foi com este objetivo que a Global Communities iniciou, em agosto, o Ciclo de Conversas – Gestão Comunitária em tempos de crise.
A iniciativa promoveu uma série de encontros, 100% online, que contou com a participação de especialistas, líderes e voluntários para abordar temas sobre os mais diferentes aspectos dos tempos de crise.
Comunidade em ação
A Global Communities, através do Programa Semeando o Futuro, incentiva o desenvolvimento comunitário colaborando com a construção de capacidades nas comunidades locais para que elas busquem as melhorias para as suas necessidades prioritárias através de práticas democráticas tornando-se autodeterminadas e desenvolvam sua autossuficiência comunitária.
Esta abordagem é trabalhada com as comunidades em etapas e estas por sua vez constroem a sua capacidade para controlar os bens comunitários e mobilizar recursos para resolver um determinado problema, bem como fortalece a flexibilidade e a união social.